A cada nova divulgação dos dados sobre homicídios no Brasil a mesma
informação é dada: morrem por homicídio, proporcionalmente, mais jovens negros
do que jovens brancos no país. Além disso, vem se confirmando que a tendência é
um crescimento desta desigualdade nas mortes por homicídios.
O diagnóstico produzido pelo Governo Federal apresentado ao Conselho Nacional
de Juventude – CONJUVE mostra vetores importantes desta realidade, para além dos
socioeconômicos: a condição geracional e a condição racial dos vitimizados.Em
2010, morreram no Brasil 49.932 pessoas vítimas de homicídio, ou seja, 26,2 a
cada 100 mil habitantes. 70,6% das vítimas eram negras. Em 2010, 26.854 jovens
entre 15 e 29 foram vítimas de homicídio, ou seja, 53,5% do total; 74,6% dos
jovens assassinados eram negros e 91,3% das vítimas de homicídio eram do sexo
masculino. Já as vítimas jovens (ente 15 e 29 anos) correspondem a 53% do total
e a diferença entre jovens brancos e negros salta de 4.807 para 12.190
homicídios, entre 2000 e 2009. Os dados foram recolhidos do DataSUS/Ministério
da Saúde e do Mapa da Violência 2011.
Podemos dizer que este tema entrou na cena pública, quando, em 2007, o Fórum
Nacional da Juventude Negra – FONAJUNE lançou a campanha nacional “Contra o
Genocídio da Juventude Negra”. Em 2008, foi realizada a 1ª. Conferência Nacional
de Políticas Públicas de Juventude, e das 22 prioridades eleitas nesta CNPPJ, a
proposta mais votada foi a indicada pela juventude negra que tematizava
justamente os homicídios de jovens negros.
Depois de passar CONJUVE, o tema foiabsorvido pelo Executivo, no final de
2010, através da Secretaria de Políticas de Igualdade Racial – SEPPIR, com a
realização de uma oficina chamada “Combate à mortalidade da juventude negra”.Com
a sucessão presidencial, a pauta – deixada de lado pela SEPPIR, em 2011 – foi
reincorporada pela Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), ligada à Secretaria
Geral da Presidência da República-SG/PR, em meados de 2011. A SNJ sugeriu que o
Fórum Direitos e Cidadania (coordenado pela SG/PR), que reúne os principais
ministérios ligados ao tema, tomasse para si a questão. Foi o que aconteceu, a
partir da criação de uma Sala de Situação da Juventude Negra dentro do Fórum. A
partir daí desencadeou-se uma agenda nos moldes participativos para o
desenvolvimento de propostas que agissem pela redução da violência contra a
juventude negra.
Problema velho, soluções inovadoras
Esta pauta, de início, podemos sugerir que possui um caráter especialmente
participativo. Pois inicia-se com uma Conferência de participação social e passa
a ser discutido pelo Conjuve. Depois, quando chega ao executivo, mantém este
formato de discussão.
O problema a ser enfrentado é bem complexo. Até hoje algumas iniciativas que
dialogam com este público de juventude negra. Entretanto, existe uma dissonância
entre elementos fundamentais para o êxito de uma ação que vise combater os
homicídios de jovens negros. Para estas políticas, quando há orçamento, não há
reconhecimento de diferenças; quando o projeto aborda a juventude negra, não há
recursos. E quando há reconhecimento com recursos, não existe foco nos jovens
mais vulneráveis.
Assim, esta agenda deve ser trabalhada pelo poder público a partir de duas
concepções distintas de políticas públicas e a partir de uma noção convergente
de direitos, pois o direito à vida de certa juventude (a juventude
negra) e elaborada a partir do reconhecimento de diferenças.
Mas que o Estado Brasileiro através de seus quadros burocráticos,
muitas vezes reluta em fazê-lo.
Uma delas a chamada transversalidade, que defende que as políticas públicas
devem ser caracterizadas pelas dimensões que se pretendem reconhecer
(racialmente, por gênero etc.). A outra maneira pela qual as políticas setoriais
vêm sendo tratadas é pela ação afirmativa. Esta defende que é preciso criar
políticas emergenciais, combinas às estruturantes para públicos específicos
(negros, jovens, mulheres).
As políticas chamadas transversais carregam consigo um dilema sobre a sua
autoria. Se elas devem estar em todos os campos da ação pública, quem tem o
dever de realizá-las? De quem é a responsabilidade de resolver o problema dos
homicídios dos jovens negros no interior de um governo? A Secretaria Nacional de
Juventude, A Secretaria de Políticas de Igualdade Racial? A Secretaria de
Segurança Pública?
Mas o outro lado deste assunto é que ele mostra que ações relacionadas a este
tema podem partir de outros atores que não apenas o Ministério da Justiça e que
o tema dos homicídios é apropriado por outros setores da sociedade e do Estado
que não são os tradicionalmente ligados ao tema.
Entretanto, antes que um ou outro ministério assuma esta tarefa, é necessário
ultrapassar uma barreira que muito se vê Brasil a fora: deve-se fincar as ações
de promoção de direitos e tratar o seu público “alvo” desta vez como sujeito de
direitos e não como “jovens problemas”. Isso é uma tendência que os setores
organizados da sociedade civil vêm defendendo, há anos, e que agora devem chegar
às políticas que ligam juventude à violência. Do que decorrerá outro ponto
inovador: os jovens são tratados com vítimas e não mais como os
vitimizadores.
Acredito ser este um bom exemplo de como a participação social e a abertura
do processo de elaboração política para diversos setores da sociedade apontam
para a criação de políticas que atendam ao reconhecimento e promoção de novos
direitos, com o surgimento de novos arranjos institucionais. Ainda que os
problemas sejam tão antigos.
Paulo Ramos, 31, é especialista em análise política pela UnB e mestrando
em sociologia pela Universidade Federal de São Carlos. Foi consultor da UNESCO e
da Fundação Perseu Abramo para o tema das relações raciais e de juventude
Fonte: Carta Capital