Grupo de Estudos Sobre Raça e Ações Afirmativas
Grupo de Estudos Sobre Raça e Ações Afirmativas
domingo, 9 de junho de 2013
MOVIMENTO HISTÓRICO DENTRO DA UFMS
Indígenas de várias etnias, camponeses e quilombolas estão, neste momento no campus da UFMS em Campo Grande, acampados, para cobrar por providências do Estado brasileiro e do governo do MS.
Em conversa com um senhor (+- 60 anos de idade), trabalhador rural, ele me perguntou: "tem pessoas da terceira idade estudando aqui?" Eu disse "sim, tem sim". E ele perguntou: "Mas assim como eu?"
Como dizer que como ele não há, afinal a UFMS, assim como todo o ensino superior brasileiro, é atravessado por desigualdades de classe, raça e de etnia?
É S. Laurivaldo, que sonha em ser professor de História. Já prestou ENEM em 2 anos seguidos e quer prestar de novo. Falta-lhe quase tudo, o essencial. Está aqui para pressionar as autoridades para "cortar a terra", como me disse. Contou-me dos avós e bisavós que não passaram pelos dilemas da situação de não-território e de quando que terra passou a ser riqueza de uma meia dúzia de pessoas neste estado. Gostaria muito de assistir aulas de história dadas por ele.
Triste ver indígenas, quilombolas e camponeses na UFMS apenas nesses momentos de luta, de reivindicações. Eles, os seus familiares, os seus filhos não estão aqui como estudantes, professores, funcionários. E que bom que estão aqui, pois é lugar que agrega grande parcela das elites estaduais. É bom que estejam aqui.
Triste ver que não há preparo algum ou não há vontade nenhuma de entendermos o que é viver a diversidade na universidade. Nas poucas horas que estão aqui, já foram chamados de ladrões, estupradores e de outros adjetivos. Seguranças fechando portas para que não entrassem. A universidade é pública? É feudo, um feudinho.
Quando convém, muitos enchem a boca para falar da diversidade étnica do estado. Tiram fotos para colocar em museus, para serem "aprecisados". Quando não convém, colocam para falar com os seguranças.
Tempos de pensar em demarcação
Tempos de pensar em reforma agrária
Tempos de pensar nas desigualdades
Tempos de pensar a universidade (unicolor, rica, hostil, despreparada, e quase privada em muitos aspectos)
Tempos de pensarmos em nossos racismos
Texto de Priscila Martins Medeiros
Fotografia de Lelo Marchi
quinta-feira, 16 de maio de 2013
Pensando nos significados contemporâneos do Protesto Negro
Por Paulo Alberto Santos Vieira
Brasil, 13 de maio de 2013.
125 anos de uma Abolição Inacabada.
Neste 13 de maio se completa 125 anos da Abolição da Escravidão no Brasil. Último país a terminar com este regime de trabalho que se baseou na extração compulsória de excedentes e, sobretudo, na desumanização de milhões de africanos e africanas que para cá foram trazidos sob a violência de chicotes, pelourinhos, estupros e chagas que se alastraram por toda a sociedade. 125 anos em que as práticas de desumanização não foram erradicadas, como exemplificam os incontáveis fatos narrados hoje em dia; desde a “expulsão” de crianças negras de pizzarias e concessionárias de automóveis ao debate sobre a regulamentação do trabalho doméstico. Também nestes momentos nos apercebemos o quanto setores da sociedade brasileira ainda partilham das mesmas percepções e visões de mundo dos colonizadores.
No Brasil e em todas as regiões da diáspora africana a conquista da liberdade foi um processo bastante longo e que exigiu de negras e negros desenvolver processos de resistências que merecem ser estudados com mais atenção e cautela. Esta resiliência se faz presente em nossos dias como herança ancestral. A cada momento somos obrigados a reafirmar nossa condição humana e lutar incansavelmente pela promoção da igualdade racial, sem que esta luta nos descaracterize.
Nestes 125 anos de Abolição da Escravidão ainda se faz presente entre negras e negros (assim como diversos outros grupos sociais alijados social e historicamente) as repercussões de mais de três séculos de escravização de seres humanos: para toda e qualquer variável qualitativa, ocupamos sempre as piores condições. Os níveis de escolaridade, a cobertura vacinal e o atendimento por redes de esgoto e energia elétrica, o desemprego e precarização das relações de laborais, as formas contemporâneas de “trabalho escravo”, a (criminosa) redução de anestesia para parturientes negras na rede pública hospitalar, a posição de negras e negros na pirâmide salarial do país ... enfim ... para onde quer que se olhe lá estaremos ocupando as piores condições de vida no interior desta sociedade que um dia se pretendeu homogênea, harmônica e cordial.
Nestes mesmos 125 anos de resistência e protesto negro temos aprendido a não mais aceitar narrativas que dizem integradoras e universalistas (inclusive do ponto de vista racial), mas que apenas buscaram (re)atualizar os códigos coloniais. Neste processo já não cabe mais a ingenuidade dos que insistem em afirmar que não há racismo no Brasil. O racismo aqui sempre matou, assassinou e vitimizou milhões de seres humanos, independente de sua cor de pelo. Porém ao mesmo tempo pudemos observar pequenas mudanças que parecem indicar novos tempos.
Estes indicadores dos novos tempos são resultado direto da luta do Movimento Negro e de suas entidades, associações, irmandades etc. São lutas travadas diuturnamente e que tornaram a educação um dos mais importantes e destacados fronts nesta construção de tempos mais igualitários e democráticos do ponto de vista racial. Esta luta que derrotou o mito da democracia racial, tem nos permitido compreender a trajetória da população negra neste país não mais a partir das histórias oficiais e seus conteúdos etnocêntricos.
A alteração da LDB pelas Leis 10.639/03 e 11.645/08; a unânime decisão do Supremo Tribunal Federal pela constitucionalidade das cotas para negros e do princípio das ações afirmativas; e o parecer do Conselho Nacional de Educação sobre o livro Caçadas de Pedrinho de Monteiro Lobato não apenas indicam, mas são exemplos de importantes mudanças pelas quais a sociedade brasileira vem passando nos últimos 50 anos. Mudanças sob a ótica racial ! Mas estas mudanças não estão circunscritas apenas aos macro espaços sociais. Esta nova ordem que começa a ganhar os espaços de decisão, é, sobretudo, construída a partir “de baixo” como me relatou uma amiga da cidade de Cáceres.
Numa festa de aniversário de criança, mães dialogavam sobre os cachos dos cabelos da aniversariante. Ao ouvir a desqualificação dos cabelos de sua coleguinha, a filha desta minha amiga não se intimidou. Com as mãos na cadeira, olhou nos olhos daquelas mães e soltou o petardo: “- olhem aqui, eu gosto muito dos meus cabelos e eles são muito bonitos”. Este petardo que calou aquelas mães foi dito por uma criança de 5 anos de idade !
Ao ouvir esta história fui remetido de imediato para a tese de doutorado da primeira reitoria negra de uma universidade federal e segunda reitora negra em toda a história acadêmica deste país. Com mais da metade de sua população negra, de acordo com o Censo Demográfico de 2010, é estarrecedor os graus de exclusão a que estamos submetidos. Isto está mudando. Em minha avaliação este processo não tem mais como voltar para trás. Se com 5 anos uma criança se apresenta na cena pública, politizando o cenário com argumentos tão profundos, imaginemos o que poderá ser desta criança e tantas outras após concluírem seus cursos universitários. Esta perspectiva geracional nos alegra. Ainda que alguns permaneçam em suas práticas e procedimentos desumanizadores, já não mais lograrão êxito. Também não lograrão êxito os que se oportunizam de suas peles mais escuras, os que se declaram negras e negros apenas quando lhes convém.
Entendam de uma vez por todas, não queremos apenas escurecer a universidade e a sociedade brasileira; queremos enegrecer os campi universitários, as formas de pensar, de fazer e de sentir. Nosso desafio está para além da cor, para além da raça ! E este compromisso não é exclusivista. Independente do sexo, da idade, da religião, da raça, da etnia, da orientação sexual, da nacionalidade e da capacidade física, seremos os protagonistas de transformações no interior desta sociedade. Os vivos verão !
O caminho é árduo e não tenhamos dúvida da aridez. A todo o momento os discursos coloniais se farão presentes na tentativa de inculcar valores que nos são (des)conhecidos, com o intuito de fazer com que o colonizado seja o porta-voz do colonizador. Mas estamos atentos a estas velhas (e novas) armadilhas. O tráfico negreiro (este crime de lesa-humanidade) também forjou nossos corpos, nossas almas e nossa humanidade.
Nestes 125 anos de Abolição não há nada o que se comemorar. Há muito o que se pensar e refletir. Neste 13 de maio de 2013 somos testemunhas vivas e os protagonistas de mudanças que renovam nossas esperanças. Já não mais somos o “povo mestiço”. Já sabemos os significados dos termos “tição”, “mulata”, “moreno” e tantos outros que insistem em nos subordinar, em nos desumanizar. Não, nos recusamos a permanecer nas senzalas, nos “quartos de empregada” e chegar ao último andar do prédio tomando o elevador de serviço. Somos parcela integrante desta sociedade – a maior parcela, diga-se de passagem – e como parte importante desta sociedade exigimos respeito.
Neste 13 de maio , salve o 20 de novembro de todos os anos !!! Axé.
Paulo Alberto Santos Vieira é Professor do curso Ciências Contábeis e do Mestrado de Educação na UNEMAT - Universidade do Estado de Mato Grosso.
quinta-feira, 2 de maio de 2013
A criminalização da Pobreza e a Juventude Negra Brasileira
Por Nayhara Almeida
A viatura foi chegando
devagar
E de repente, de repente resolveu me parar
Um dos caras saiu de lá de dentro
Já dizendo, ai compadre, cê perdeu
Se eu tiver que procurar cê ta fodido
Acho melhor cê i deixando esse flagrante comigo
No início eram três, depois vieram mais quatro
Agora eram sete os samurais da extorsão
Vasculhando meu carro, metendo a mão no meu bolso
Cheirando a minha mão
E de repente, de repente resolveu me parar
Um dos caras saiu de lá de dentro
Já dizendo, ai compadre, cê perdeu
Se eu tiver que procurar cê ta fodido
Acho melhor cê i deixando esse flagrante comigo
No início eram três, depois vieram mais quatro
Agora eram sete os samurais da extorsão
Vasculhando meu carro, metendo a mão no meu bolso
Cheirando a minha mão
De geração em geração
Todos no bairro já conhecem essa lição
Todos no bairro já conhecem essa lição
Tribunal de Rua, O rappa
Atualmente foram divulgados
dados alarmantes sobre o extermínio da juventude negra como resultado de uma
criminalização da pobreza brasileira revestida pelo capuz da guerra ao tráfico
de drogas. Os dados do Mapa da Violência demonstram que existem mais
vítimas de homicídio negras do que brancas: para cada branco vítima de
homicídio proporcionalmente morreram 2,3 negros pelo mesmo motivo.
A criminalização da pobreza funciona como uma
espécie de controle militar e social exercido pela polícia. A Pobreza brasileira
tem cor e é marcada pela falta de assistência do Estado e de políticas públicas
de qualidade. Nas regiões onde a violência é alta o Estado só aparece na sua
forma militar, com a truculência da ação policial. Os dados publicados sobre a violência
racial brasileira demonstram uma das facetas do tipo de racismo praticado no
Brasil, o racismo silenciado, como bem lembra o antropólogo Kabengele Munanga.
Perante as várias manifestações
do movimento negro, que protesta ativamente contra o racismo praticado no
Brasil, o governo federal com a participação de movimentos sociais lançou o
Plano de enfrentamento a Violência contra a juventude Negra: Juventude Viva. O
estado de Alagoas recebeu em setembro de 2012 a primeira etapa piloto do
projeto por ter a maior incidência de homicídios do país. O estudo Mapa da Violência 2012: A Cor dos Homicídios
no Brasil foi lançado no final de novembro de 2012 e foi produzido pelo
Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (CEBELA) pela Faculdade
Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACS) e pela Secretaria de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR).
Os dados do mapa são preocupantes, pois o crescimento contínuo dos
índices de homicídios de jovens negros é acompanhado pela diminuição de mortes
de jovens brancos em todo o território nacional. A taxa de homicídios contra jovens
brancos do período de 2002 a 2010 apresentou uma queda de 30,3%, enquanto a dos
jovens negros cresceu 3,5%. A queda de homicídios de jovens brancos pode demonstrar
que a estratégia de segurança e de cidadania adotada pelo Estado seja
desenvolvida de forma desigual entre os diferentes grupos sociais.
Oito estados brasileiros merecem extrema atenção: Alagoas, Espírito
Santo, Paraíba, Pernambuco, Mato Grosso, Distrito Federal, Bahia e Pará. Nesses
estados as taxas de homicídios ultrapassam a marca dos 100 homicídios para cada
100 mil jovens negros. Mas em Alagoas e na Paraíba encontramos a realidade mais
alarmante: as taxas apresentam em torno de 20 homicídios de jovens negros para
cada um jovem branco assassinado.
A juventude negra brasileira é vista como problema e não como vítima, e a
sociedade não os enxerga como sujeitos de direitos. É possível perceber como o
preconceito é reforçado pela mídia quando são colocadas em veiculação na
televisão, em horário nobre, propagandas contra o uso de drogas em que jovens
negros aparecem como viciados em crack, ou como traficantes. Normalmente essas
imagens são seguidas por um discurso que reforça a proibição das drogas sem uma
discussão séria sobre os estereótipos criminosos de jovens negros. Outro ponto
muito importante é que a abordagem policial ainda é apontada pelo movimento
negro como racista, o que deveria provocar uma avaliação efetiva do Estado
brasileiro sobre a atuação da polícia, além da capacitação da mesma.
Os jovens negros estão em uma preocupante condição de exclusão na
sociedade brasileira, principalmente quando são trazidas à tona discussões como:
as cotas raciais, redução da maior idade penal, a guerra às drogas realizada pelo
Estado, entre tantos outros temas. Mas, do meu ponto de vista, o tema mais
problemático é realmente o da redução da maioridade penal, porque abriga em si
as três faces que considero fundamentais para a sua negação: o racismo, a
desigualdade econômica e social, e o discurso de criminalização da pobreza. O
resultado da junção desses três elementos é o genocídio da juventude negra, que
precisa ganhar visibilidade nos debates públicos urgentemente. Uma maior
divulgação desses dados e uma crescente reflexão sobre a matança dos jovens
negros (na mídia, nas escolas, pelos canais oficiais do governo etc) deveria,
no mínimo, constranger aqueles que ainda defendem a redução da maioridade penal
como mecanismo para diminuir a violência.
A maioria da população brasileira é negra: junção dos dados das
categorias preto e pardo do IBGE, formam um total de 50,7% da população
brasileira. Mas, infelizmente o racismo à brasileira impede a visibilidade da
população negra enquanto um grupo social com direitos, como por exemplo,
direito à segurança, à educação e a todos os conjuntos de direitos. Mas como
sempre, desde o período do pós-abolição a reivindicação do movimento negro
ainda precisa perpassar pelos direitos básicos, o que neste momento é o direito
à vida para a juventude negra.
domingo, 7 de abril de 2013
A invisibilidade das Comunidades Quilombolas de Mato Grosso do Sul
Por Nayhara Almeida de
Sousa
Atualmente o que a
maioria das pessoas entende por comunidade quilombola está muito distante da
realidade. O que é usualmente entendido por comunidade remanescente quilombola se
remete à definição utilizada no período colonial brasileiro, mais exatamente àquela do século XVIII, para a qual quilombo
era “toda a habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte
despovoada ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles” (MOURA,
1981: p.16). E no estado de Mato Grosso do Sul
não seria diferente, apesar de ter mais de 21 comunidades reconhecidas pela
Fundação Cultural Palmares, ainda não tem avanços significativos na questão de
reconhecimento das comunidades quilombolas como grupos sociais e, portanto, com
direitos.
Com a publicação do
decreto de 4.887/2003 temos a regularização de todo o procedimento que efetiva a titulação das
terras, além de uma redefinição do conceito de comunidade quilombola,
diferenciando-se daquela antiga que era marcada pela colonização, e passando
agora a ser compreendida através da auto determinação dos povos. Conforme o artigo
2º do Decreto,
consideram-se
remanescentes das comunidades dos quilombos, para fins deste Decreto, os grupos
étnico-raciais, seguindo critérios de autoafirmação, com a trajetória histórica
própria, dotados de relações territoriais especificas, com presunção de
ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida
(BRASIL, 2008).
Retomando o histórico
sobre o assunto, em 1988 foi reconhecido pela Constituição Brasileira o direito
de propriedade definitiva das terras ocupadas por remanescentes quilombolas, através
do artigo 68 do Ato das Disposições Transitórias: “Aos remanescentes das
comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a
propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.”
(BRASIL, 2008). O reconhecimento de propriedade das terras quilombolas pela
Constituição de 1988 não foi suficiente para a efetiva regularização desses
territórios, e contestações contrárias às titulações eram fundamentadas na
falta de regulamentação no processo de demarcação e titulação dessas terras.
Mas, foi com a
publicação do decreto 4.887, no dia 20 de novembro de 2003 se estabeleceu a
forma de como proceder à demarcação e titulação do território quilombola. Da
década de 1980 até 2003 se desenrolaram anos de silêncio quanto a este assunto
e, apesar de haver milhares de comunidades espalhadas pelos estados
brasileiros, ainda há a impressão de inexistência ou de distancia das
comunidades, o que remete muitas pessoas à noção de quilombo do período
colonial.
Vários grupos
contrários aos direitos adquiridos pelas comunidades se manifestaram. O partido
Democratas (DEM) ajuizou em 2004 uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) no Supremo Tribunal Federal pela publicação do
decreto 4.887. A ADIn é contrária ao critério de autoatribuição para a
identificação das comunidades remanescentes quilombolas, e o caso ainda aguarda
julgamento.
De acordo com Santos (2010),
o ano de 2007 ficou marcado pelo aumento dos conflitos no estado do Mato Grosso
do Sul entre as comunidades rurais quilombolas e
o Governo do Estado, Sindicato Rural de Dourados; as Prefeituras Municipais de
Nioaque, Dourados e Sonora; grandes proprietários de terras; e a Federação da
Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (FAMASUL). [1]
A partir da definição
ultrapassada sobre o que é uma comunidade remanescente quilombola, criou-se uma
situação constrangedora para o Instituto Histórico Geográfico de Mato Grosso do
Sul (IHG-MS), que reforçou ainda mais a posição contrária ao reconhecimento das
comunidades quilombolas no estado de MS. Em 2008 o então presidente do IHS-MG
Hildebrando Campestrini exalou um parecer negando a existência de qualquer
formação de comunidades quilombolas no estado de Mato Grosso do Sul. O parecer
dizia o seguinte:
Considerando que o sul de Mato Grosso despontou no
cenário econômico brasileiro como área de produção pecuária, após as décadas de
1830/1840, quando a escravidão já se encontrava em processo gradativo de
desarticulação; Considerando que o território hoje sul-mato-grossense se
encontrava fora da rota de fuga dos escravos egressos dos centros econômicos
mais significativos à época do regime escravista (SP, MG e região norte de MT);
Considerando que havia, no último quartel do século XIX, forte empenho de
líderes pela libertação de escravos, a exemplo das Juntas de Emancipação nas
principais vilas e cidades do sul de Mato Grosso, com resultados positivos;
Considerando que, sobretudo após a Guerra da Tríplice Aliança, o número de
escravos no sul de Mato Grosso era de reduzido significado; Considerando que
não há documentos, nem ao menos indícios, que provem a existência, no atual
Mato Grosso do Sul, de quilombos, mesmo que tardios. Manifestam-se, por
unanimidade, no sentido de não reconhecer a presença de quaisquer núcleos
quilombolas remanescentes em nosso Estado. Campo Grande, 10 de setembro de 2008.
Hildebrando Campestrini – Presidente (SANTOS, 2010: p.20).
Como
é perceptível no Parecer Quilombola do IGH-MS, a visão sobre as comunidades
está presa em um passado colonial, como algo exótico, perdido e afastado da
noção de cidadão brasileiro. O parecer ganhou destaque na mídia local e teve
ampla recepção pelos produtores agropecuários, sendo largamente difundido pela
FAMASUL através da circular nº 041/2009, ao Secretário da Secretaria de Estado
de Meio Ambiente, das Cidades, do Planejamento, da Ciência e Tecnologia/SEMAC. Em
seu ofício a FAMASUL afirma a não existência de remanescentes quilombolas no
Mato Grosso do Sul.
O
Parecer Quilombola produzido pelo IHG-MS encara comunidades remanescentes como
aquele conceito da época imperial e deixa de perceber como bem lembra Amaral
Filho (2011) que os remanescentes de quilombolas surgem recriando um processo
identitário e não o repetindo. Recriando seus laços com a África, “eles passam
a se comportar no Pós-Colonial diaspórico como um grupo multicultural miscigenado
diferente de sua noção clássica” (AMARAL FILHO, 2011).
A
colonização, apesar de um processo extinto oficialmente, permanece enraizada
nos dias atuais, como fator excludente e marginalizador de determinados grupos
sociais. No caso de Mato Grosso do Sul, essa situação é facilmente identificada
quando se trata da garantia de direitos das populações indígenas e comunidades
quilombolas.
No
discurso da mestiçagem, baseado na ideia de um Brasil mestiço, onde o moreno é
o termo ideal de representação da população afro-brasileira, o termo negro deixa
de ser mencionado de forma positiva pela sociedade brasileira, pois a ideia mitológica
de democracia racial encontra suas bases no moreno. A troca de um termo por
outro não significou um tratamento respeitoso para a população negra, sua
história e suas memórias, e não resultou numa equidade nas oportunidades entre
todos no Brasil. Antes disso, a criação de um discurso de democracia racial
“contribuiu” para que se afundasse no silenciamento o racismo vivenciado no
Brasil, fortalecendo um discurso hipócrita e controverso.
É
importante entender porque é tão popular a utilização do termo moreno, quando
se refere à população afro-brasileira.
Uma breve análise na história de formação da identidade nacional, (ORTIZ,
2003) é possível perceber como foi a movimentação dos grandes intelectuais e
dirigentes nacionais para a formulação de teorias e projetos sobre um modelo
nação brasileira. Este modelo de nação era pensado para o futuro, um futuro que
através da miscigenação racial, se tornaria branco.
Mato
Grosso do Sul não fugiu aos moldes nacionais quanto à formação de uma identidade
regional baseada na falsa ideia de democracia racial e de branquidade. Este
modelo foi refletindo diretamente na invisibilidade dos remanescentes
quilombolas do Estado. Um exemplo, Campo Grande, que é conhecida como a cidade
morena, não possui menção alguma sobre a vida de camponeses e nem de
escravizados, em nenhum dos seus 14 museus (Santos, 2010: p. 31).
Não é possível que atualmente, dirigentes e
intelectuais ainda expressem noções sobre o que é ser remanescente quilombola
baseados em conceituações cristalizadas em um passado colonial. A ideia sobre ser
quilombola hoje ultrapassa a noção colonial e se aproxima muito mais de uma
ressignificação do caráter multicultural do quilombo surgido no território africano,
mas muito diferente da conceituação de quilombo feita pelo colonizador. E ainda,
não é possível permitir, que ideias como a do Parecer Quilombola, após a
criminalização do racismo em 1988, sejam formas de propagação de racismo sutil
através da negação da existência de comunidades quilombolas no estado.
A
afirmação do Parecer demonstra muito dos aspectos da invisibilidade social e
econômica da população negra brasileira. A população quilombola faz uso de
terras reconhecidas como patrimônio histórico pelo Estado Brasileiro, compartilhando
valores comuns, parentesco, práticas culturais. Devemos ultrapassar esse
entendimento vindo do período colonial que prejudica a existência e garantia de
direitos civis, econômicos, sociais e culturais
das comunidades remanescentes quilombolas no Brasil.
Referências
Bibliográficas
AMARAL
FILHO, N. C. Mídia e Quilombos na Amazônia. Relações Raciais no Brasil:
pesquisas contemporâneas. Org. Valter Roberto Silvério, Regina Pahim Pinto,
Fúlvia Rosemberg. São Paulo: Contexto, 2011.
SANTOS,
C. A. B. P dos. Fiéis descendentes redes-irmandades no pós-abolição entre as
comunidades negras rurais sul-mato-grossenses. Tese de Doutorado em
Antropologia Social. UNB, Brasília, 2010.
BRASIL,
Ministério Público Federal. Procuradoria Geral da Republica, 2 região.
Territórios Quilombolas e Constituição: A ADI 3.239 e a Constitucionalidade do
Decreto 4,887/03. Rio de Janeiro, 03 de março de 2008.
quarta-feira, 23 de janeiro de 2013
Ação racista da PM de São Paulo
Por Nayhara Almeida de Sousa
Atualmente foram divulgados dados alarmantes sobre o extermínio da juventude negra como resultado de uma criminalização da pobreza brasileira mascarada por uma fracassada guerra às drogas. A criminalização da pobreza funciona como uma espécie de controle militar e social exercido pela polícia. A Pobreza brasileira tem cor e é marcada pela falta de assistência do Estado e de políticas públicas de qualidade. Deste modo o Estado só aparece nas regiões com altos índices de violência em sua forma militar, a truculenta polícia militar brasileira.
As notícias divulgadas pela imprensa de São Paulo, só vem afirmar o caráter racista da PM em considerar quem é o suspeito para cometer atos criminosos na região. No mês de dezembro após um assalto no bairro Taquaral, um dos mais nobres de Campinas a PM dá ordem para abordar negros e pardos. Em documento assinado pelo capitão Ubiratan de Carvalho Góes Beneducci, através de solicitação dos moradores do bairro, os policiais são orientados "a agir com rigor, caso se depare com jovens de 18 a 25 anos, que estejam em grupos de três a cinco pessoas e tenham a pele escura." Alguém ainda tem dúvida do racismo praticado pela polícia e sua relação direta com o extermínio da juventude negra?
Fonte: http://www.geledes.org.br/areas-de-atuacao/questao-racial/violencia-racial/17038-campinas-apos-assalto-em-bairro-luxuoso-pm-da-ordem-para-abordar-negros-e-pardos
Imagem: Mães de Maio
Imagem: Mães de Maio
segunda-feira, 21 de janeiro de 2013
A violência contra jovens negros no Brasil
Por Paulo Ramos
A cada nova divulgação dos dados sobre homicídios no Brasil a mesma
informação é dada: morrem por homicídio, proporcionalmente, mais jovens negros
do que jovens brancos no país. Além disso, vem se confirmando que a tendência é
um crescimento desta desigualdade nas mortes por homicídios.
O diagnóstico produzido pelo Governo Federal apresentado ao Conselho Nacional
de Juventude – CONJUVE mostra vetores importantes desta realidade, para além dos
socioeconômicos: a condição geracional e a condição racial dos vitimizados.Em
2010, morreram no Brasil 49.932 pessoas vítimas de homicídio, ou seja, 26,2 a
cada 100 mil habitantes. 70,6% das vítimas eram negras. Em 2010, 26.854 jovens
entre 15 e 29 foram vítimas de homicídio, ou seja, 53,5% do total; 74,6% dos
jovens assassinados eram negros e 91,3% das vítimas de homicídio eram do sexo
masculino. Já as vítimas jovens (ente 15 e 29 anos) correspondem a 53% do total
e a diferença entre jovens brancos e negros salta de 4.807 para 12.190
homicídios, entre 2000 e 2009. Os dados foram recolhidos do DataSUS/Ministério
da Saúde e do Mapa da Violência 2011.
Podemos dizer que este tema entrou na cena pública, quando, em 2007, o Fórum
Nacional da Juventude Negra – FONAJUNE lançou a campanha nacional “Contra o
Genocídio da Juventude Negra”. Em 2008, foi realizada a 1ª. Conferência Nacional
de Políticas Públicas de Juventude, e das 22 prioridades eleitas nesta CNPPJ, a
proposta mais votada foi a indicada pela juventude negra que tematizava
justamente os homicídios de jovens negros.
Depois de passar CONJUVE, o tema foiabsorvido pelo Executivo, no final de
2010, através da Secretaria de Políticas de Igualdade Racial – SEPPIR, com a
realização de uma oficina chamada “Combate à mortalidade da juventude negra”.Com
a sucessão presidencial, a pauta – deixada de lado pela SEPPIR, em 2011 – foi
reincorporada pela Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), ligada à Secretaria
Geral da Presidência da República-SG/PR, em meados de 2011. A SNJ sugeriu que o
Fórum Direitos e Cidadania (coordenado pela SG/PR), que reúne os principais
ministérios ligados ao tema, tomasse para si a questão. Foi o que aconteceu, a
partir da criação de uma Sala de Situação da Juventude Negra dentro do Fórum. A
partir daí desencadeou-se uma agenda nos moldes participativos para o
desenvolvimento de propostas que agissem pela redução da violência contra a
juventude negra.
Problema velho, soluções inovadoras
Esta pauta, de início, podemos sugerir que possui um caráter especialmente
participativo. Pois inicia-se com uma Conferência de participação social e passa
a ser discutido pelo Conjuve. Depois, quando chega ao executivo, mantém este
formato de discussão.
O problema a ser enfrentado é bem complexo. Até hoje algumas iniciativas que
dialogam com este público de juventude negra. Entretanto, existe uma dissonância
entre elementos fundamentais para o êxito de uma ação que vise combater os
homicídios de jovens negros. Para estas políticas, quando há orçamento, não há
reconhecimento de diferenças; quando o projeto aborda a juventude negra, não há
recursos. E quando há reconhecimento com recursos, não existe foco nos jovens
mais vulneráveis.
Assim, esta agenda deve ser trabalhada pelo poder público a partir de duas
concepções distintas de políticas públicas e a partir de uma noção convergente
de direitos, pois o direito à vida de certa juventude (a juventude
negra) e elaborada a partir do reconhecimento de diferenças.
Mas que o Estado Brasileiro através de seus quadros burocráticos,
muitas vezes reluta em fazê-lo.
Uma delas a chamada transversalidade, que defende que as políticas públicas
devem ser caracterizadas pelas dimensões que se pretendem reconhecer
(racialmente, por gênero etc.). A outra maneira pela qual as políticas setoriais
vêm sendo tratadas é pela ação afirmativa. Esta defende que é preciso criar
políticas emergenciais, combinas às estruturantes para públicos específicos
(negros, jovens, mulheres).
As políticas chamadas transversais carregam consigo um dilema sobre a sua
autoria. Se elas devem estar em todos os campos da ação pública, quem tem o
dever de realizá-las? De quem é a responsabilidade de resolver o problema dos
homicídios dos jovens negros no interior de um governo? A Secretaria Nacional de
Juventude, A Secretaria de Políticas de Igualdade Racial? A Secretaria de
Segurança Pública?
Mas o outro lado deste assunto é que ele mostra que ações relacionadas a este
tema podem partir de outros atores que não apenas o Ministério da Justiça e que
o tema dos homicídios é apropriado por outros setores da sociedade e do Estado
que não são os tradicionalmente ligados ao tema.
Entretanto, antes que um ou outro ministério assuma esta tarefa, é necessário
ultrapassar uma barreira que muito se vê Brasil a fora: deve-se fincar as ações
de promoção de direitos e tratar o seu público “alvo” desta vez como sujeito de
direitos e não como “jovens problemas”. Isso é uma tendência que os setores
organizados da sociedade civil vêm defendendo, há anos, e que agora devem chegar
às políticas que ligam juventude à violência. Do que decorrerá outro ponto
inovador: os jovens são tratados com vítimas e não mais como os
vitimizadores.
Acredito ser este um bom exemplo de como a participação social e a abertura
do processo de elaboração política para diversos setores da sociedade apontam
para a criação de políticas que atendam ao reconhecimento e promoção de novos
direitos, com o surgimento de novos arranjos institucionais. Ainda que os
problemas sejam tão antigos.
Paulo Ramos, 31, é especialista em análise política pela UnB e mestrando
em sociologia pela Universidade Federal de São Carlos. Foi consultor da UNESCO e
da Fundação Perseu Abramo para o tema das relações raciais e de juventude
Fonte: Carta Capital
terça-feira, 8 de janeiro de 2013
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