Grupo de Estudos Sobre Raça e Ações Afirmativas

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quinta-feira, 16 de maio de 2013

Pensando nos significados contemporâneos do Protesto Negro


Por Paulo Alberto Santos Vieira

Brasil, 13 de maio de 2013.
125 anos de uma Abolição Inacabada.

Neste 13 de maio se completa 125 anos da Abolição da Escravidão no Brasil. Último país a terminar com este regime de trabalho que se baseou na extração compulsória de excedentes e, sobretudo, na desumanização de milhões de africanos e africanas que para cá foram trazidos sob a violência de chicotes, pelourinhos, estupros e chagas que se alastraram por toda a sociedade. 125 anos em que as práticas de desumanização não foram erradicadas, como exemplificam os incontáveis fatos narrados hoje em dia; desde a “expulsão” de crianças negras de pizzarias e concessionárias de automóveis ao debate sobre a regulamentação do trabalho doméstico. Também nestes momentos nos apercebemos o quanto setores da sociedade brasileira ainda partilham das mesmas percepções e visões de mundo dos colonizadores.
No Brasil e em todas as regiões da diáspora africana a conquista da liberdade foi um processo bastante longo e que exigiu de negras e negros desenvolver processos de resistências que merecem ser estudados com mais atenção e cautela. Esta resiliência se faz presente em nossos dias como herança ancestral. A cada momento somos obrigados a reafirmar nossa condição humana e lutar incansavelmente pela promoção da igualdade racial, sem que esta luta nos descaracterize.
Nestes 125 anos de Abolição da Escravidão ainda se faz presente entre negras e negros (assim como diversos outros grupos sociais alijados social e historicamente) as repercussões de mais de três séculos de escravização de seres humanos: para toda e qualquer variável qualitativa, ocupamos sempre as piores condições. Os níveis de escolaridade, a cobertura vacinal e o atendimento por redes de esgoto e energia elétrica, o desemprego e precarização das relações de laborais, as formas contemporâneas de “trabalho escravo”, a (criminosa) redução de anestesia para parturientes negras na rede pública hospitalar, a posição de negras e negros na pirâmide salarial do país ... enfim ... para onde quer que se olhe lá estaremos ocupando as piores condições de vida no interior desta sociedade que um dia se pretendeu homogênea, harmônica e cordial.
Nestes mesmos 125 anos de resistência e protesto negro temos aprendido a não mais aceitar narrativas que dizem integradoras e universalistas (inclusive do ponto de vista racial), mas que apenas buscaram (re)atualizar os códigos coloniais. Neste processo já não cabe mais a ingenuidade dos que insistem em afirmar que não há racismo no Brasil. O racismo aqui sempre matou, assassinou e vitimizou milhões de seres humanos, independente de sua cor de pelo. Porém ao mesmo tempo pudemos observar pequenas mudanças que parecem indicar novos tempos.
Estes indicadores dos novos tempos são resultado direto da luta do Movimento Negro e de suas entidades, associações, irmandades etc. São lutas travadas diuturnamente e que tornaram a educação um dos mais importantes e destacados fronts nesta construção de tempos mais igualitários e democráticos do ponto de vista racial. Esta luta que derrotou o mito da democracia racial, tem nos permitido compreender a trajetória da população negra neste país não mais a partir das histórias oficiais e seus conteúdos etnocêntricos. 
A alteração da LDB pelas Leis 10.639/03 e 11.645/08; a unânime decisão do Supremo Tribunal Federal pela constitucionalidade das cotas para negros e do princípio das ações afirmativas; e o parecer do Conselho Nacional de Educação sobre o livro Caçadas de Pedrinho de Monteiro Lobato não apenas indicam, mas são exemplos de importantes mudanças pelas quais a sociedade brasileira vem passando nos últimos 50 anos. Mudanças sob a ótica racial ! Mas estas mudanças não estão circunscritas apenas aos macro espaços sociais. Esta nova ordem que começa a ganhar os espaços de decisão, é, sobretudo, construída a partir “de baixo” como me relatou uma amiga da cidade de Cáceres. 
Numa festa de aniversário de criança, mães dialogavam sobre os cachos dos cabelos da aniversariante. Ao ouvir a desqualificação dos cabelos de sua coleguinha, a filha desta minha amiga não se intimidou. Com as mãos na cadeira, olhou nos olhos daquelas mães e soltou o petardo: “- olhem aqui, eu gosto muito dos meus cabelos e eles são muito bonitos”. Este petardo que calou aquelas mães foi dito por uma criança de 5 anos de idade ! 
Ao ouvir esta história fui remetido de imediato para a tese de doutorado da primeira reitoria negra de uma universidade federal e segunda reitora negra em toda a história acadêmica deste país. Com mais da metade de sua população negra, de acordo com o Censo Demográfico de 2010, é estarrecedor os graus de exclusão a que estamos submetidos. Isto está mudando. Em minha avaliação este processo não tem mais como voltar para trás. Se com 5 anos uma criança se apresenta na cena pública, politizando o cenário com argumentos tão profundos, imaginemos o que poderá ser desta criança e tantas outras após concluírem seus cursos universitários. Esta perspectiva geracional nos alegra. Ainda que alguns permaneçam em suas práticas e procedimentos desumanizadores, já não mais lograrão êxito. Também não lograrão êxito os que se oportunizam de suas peles mais escuras, os que se declaram negras e negros apenas quando lhes convém. 
Entendam de uma vez por todas, não queremos apenas escurecer a universidade e a sociedade brasileira; queremos enegrecer os campi universitários, as formas de pensar, de fazer e de sentir. Nosso desafio está para além da cor, para além da raça ! E este compromisso não é exclusivista. Independente do sexo, da idade, da religião, da raça, da etnia, da orientação sexual, da nacionalidade e da capacidade física, seremos os protagonistas de transformações no interior desta sociedade. Os vivos verão !
O caminho é árduo e não tenhamos dúvida da aridez. A todo o momento os discursos coloniais se farão presentes na tentativa de inculcar valores que nos são (des)conhecidos, com o intuito de fazer com que o colonizado seja o porta-voz do colonizador. Mas estamos atentos a estas velhas (e novas) armadilhas. O tráfico negreiro (este crime de lesa-humanidade) também forjou nossos corpos, nossas almas e nossa humanidade. 
Nestes 125 anos de Abolição não há nada o que se comemorar. Há muito o que se pensar e refletir. Neste 13 de maio de 2013 somos testemunhas vivas e os protagonistas de mudanças que renovam nossas esperanças. Já não mais somos o “povo mestiço”. Já sabemos os significados dos termos “tição”, “mulata”, “moreno” e tantos outros que insistem em nos subordinar, em nos desumanizar. Não, nos recusamos a permanecer nas senzalas, nos “quartos de empregada” e chegar ao último andar do prédio tomando o elevador de serviço. Somos parcela integrante desta sociedade – a maior parcela, diga-se de passagem – e como parte importante desta sociedade exigimos respeito. 
Neste 13 de maio , salve o 20 de novembro de todos os anos !!! Axé.


Paulo Alberto Santos Vieira é Professor do curso Ciências Contábeis  e do Mestrado de Educação na UNEMAT - Universidade do Estado de Mato Grosso.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

A criminalização da Pobreza e a Juventude Negra Brasileira


Por Nayhara Almeida 
A viatura foi chegando devagar
E de repente, de repente resolveu me parar
Um dos caras saiu de lá de dentro
Já dizendo, ai compadre, cê perdeu
Se eu tiver que procurar cê ta fodido
Acho melhor cê i deixando esse flagrante comigo
No início eram três, depois vieram mais quatro
Agora eram sete os samurais da extorsão
Vasculhando meu carro, metendo a mão no meu bolso
Cheirando a minha mão
De geração em geração
Todos no bairro já conhecem essa lição
Tribunal de Rua, O rappa



Atualmente foram divulgados dados alarmantes sobre o extermínio da juventude negra como resultado de uma criminalização da pobreza brasileira revestida pelo capuz da guerra ao tráfico de drogas. Os dados do Mapa da Violência demonstram que existem mais vítimas de homicídio negras do que brancas: para cada branco vítima de homicídio proporcionalmente morreram 2,3 negros pelo mesmo motivo.
 A criminalização da pobreza funciona como uma espécie de controle militar e social exercido pela polícia. A Pobreza brasileira tem cor e é marcada pela falta de assistência do Estado e de políticas públicas de qualidade. Nas regiões onde a violência é alta o Estado só aparece na sua forma militar, com a truculência da ação policial. Os dados publicados sobre a violência racial brasileira demonstram uma das facetas do tipo de racismo praticado no Brasil, o racismo silenciado, como bem lembra o antropólogo Kabengele Munanga.                      
Perante as várias manifestações do movimento negro, que protesta ativamente contra o racismo praticado no Brasil, o governo federal com a participação de movimentos sociais lançou o Plano de enfrentamento a Violência contra a juventude Negra: Juventude Viva. O estado de Alagoas recebeu em setembro de 2012 a primeira etapa piloto do projeto por ter a maior incidência de homicídios do país. O estudo Mapa da Violência 2012: A Cor dos Homicídios no Brasil foi lançado no final de novembro de 2012 e foi produzido pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (CEBELA) pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACS) e pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR).
Os dados do mapa são preocupantes, pois o crescimento contínuo dos índices de homicídios de jovens negros é acompanhado pela diminuição de mortes de jovens brancos em todo o território nacional. A taxa de homicídios contra jovens brancos do período de 2002 a 2010 apresentou uma queda de 30,3%, enquanto a dos jovens negros cresceu 3,5%. A queda de homicídios de jovens brancos pode demonstrar que a estratégia de segurança e de cidadania adotada pelo Estado seja desenvolvida de forma desigual entre os diferentes grupos sociais.
Oito estados brasileiros merecem extrema atenção: Alagoas, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco, Mato Grosso, Distrito Federal, Bahia e Pará. Nesses estados as taxas de homicídios ultrapassam a marca dos 100 homicídios para cada 100 mil jovens negros. Mas em Alagoas e na Paraíba encontramos a realidade mais alarmante: as taxas apresentam em torno de 20 homicídios de jovens negros para cada um jovem branco assassinado.
A juventude negra brasileira é vista como problema e não como vítima, e a sociedade não os enxerga como sujeitos de direitos. É possível perceber como o preconceito é reforçado pela mídia quando são colocadas em veiculação na televisão, em horário nobre, propagandas contra o uso de drogas em que jovens negros aparecem como viciados em crack, ou como traficantes. Normalmente essas imagens são seguidas por um discurso que reforça a proibição das drogas sem uma discussão séria sobre os estereótipos criminosos de jovens negros. Outro ponto muito importante é que a abordagem policial ainda é apontada pelo movimento negro como racista, o que deveria provocar uma avaliação efetiva do Estado brasileiro sobre a atuação da polícia, além da capacitação da mesma.
Os jovens negros estão em uma preocupante condição de exclusão na sociedade brasileira, principalmente quando são trazidas à tona discussões como: as cotas raciais, redução da maior idade penal, a guerra às drogas realizada pelo Estado, entre tantos outros temas. Mas, do meu ponto de vista, o tema mais problemático é realmente o da redução da maioridade penal, porque abriga em si as três faces que considero fundamentais para a sua negação: o racismo, a desigualdade econômica e social, e o discurso de criminalização da pobreza. O resultado da junção desses três elementos é o genocídio da juventude negra, que precisa ganhar visibilidade nos debates públicos urgentemente. Uma maior divulgação desses dados e uma crescente reflexão sobre a matança dos jovens negros (na mídia, nas escolas, pelos canais oficiais do governo etc) deveria, no mínimo, constranger aqueles que ainda defendem a redução da maioridade penal como mecanismo para diminuir a violência.
A maioria da população brasileira é negra: junção dos dados das categorias preto e pardo do IBGE, formam um total de 50,7% da população brasileira. Mas, infelizmente o racismo à brasileira impede a visibilidade da população negra enquanto um grupo social com direitos, como por exemplo, direito à segurança, à educação e a todos os conjuntos de direitos. Mas como sempre, desde o período do pós-abolição a reivindicação do movimento negro ainda precisa perpassar pelos direitos básicos, o que neste momento é o direito à vida para a juventude negra.